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quarta-feira, 10 de agosto de 2011

A minha nação "Bandeira"


- No meu tempo não era assim! - Disse a Ordem.

- Pelo menos o seu tempo já veio. E o meu que ainda nem chegou? – Respondeu, com voz pausada, o Progresso.

De fato, os anos já haviam passado. Agora era o tempo da velocidade, das inovações e das mudanças. Este tempo havia chegado de forma tão enrustida que aquele velho casal precisava assumir que seu tempo já havia passado.

A Ordem, coitada, havia adquirido uma cirrose grave a ponto de que não conseguia mais tragar a onda de revoltas e manifestações que tomavam os quatro cantos do globo. Sua coluna havia encurvado e na forma de que já havia perdido toda a sua postura dos tempos do exército. Agora sua fragilidade era tanta que as crianças, quando a viam na rua, não perdiam tempo e já iam irritá-la, só para que ela corresse atrás deles com suas pernas finas e seu corpo esguio. Ela nunca os pegava. Pior era que sua cabeça dura não a impedia de ligar a TV quanto estava em casa e o ponto máximo de sua vida se resumia a gritar injúrias sobre qualquer greve ou revolta que via na TV. “Bando de arruaceiros” repetia ela. “Só sabem criar confusão. Se eu ainda estivesse em forma, vocês iam ver.” E seus dias se resumiam a essas discussões com um inimigo ausente que nunca respondia.



Já o Progresso, esse envelheceu cedo. O menor levantar de dedos já o fazia tremer todo. Seu corpo, ora forte e tenaz, resumia-se hoje a um mero saco de ossos e pelanca que lhe caia pelo corpo. Havia perdido todos os dentes e a artrite acabava cada vez mais e mais com aqueles ossos que o sedentarismo de doces e carne vermelha diariamente havia lhe provocado com o passar dos anos. Isso tudo sem falar da diabetes. Tudo o que lhe restava dos tempos áureos que ele recordava com fascínio e um sorriso no rosto era um dente de ouro, o único que sobrara na boca. Lembrava com certa alegria quantas vidas de pobres e miseráveis haviam se perdido para que ele, o cabeça da economia nacional na época, pudesse esbanjar o tanto dinheiro a ponto de botar aquele dente. Tanto para o jovem quanto para o velho, o crescimento econômico era mais importante que qualquer IDH. "Precisamos de pobres" dizia ele. "Afinal quem irá movimentar a economia? Eu já tenho tudo o que quero." Mas esse tempo passou a hoje. O velho vivia só a lembrar do seu tempo áureo de senhor de escravos livres.

Mas agora os tempos haviam mudado e a vida daquele casal que construiu todo o alicerce para a fome, a desgraça e a desigualdade já havia passado. Mas aqueles que pensam que esse casal hipocondríaco é o fim de tudo enganam-se. Eles tiveram filhos, e os filhos tiveram netos, e o bisneto já está a caminho. No final, esse murmuro de reclamações, pesares e “poréns” são só o suspiro final dos patriarcas da oligarquia mundial, mas logo outros virão, afinal todos querem poder. Mesmo que a cirrose e a artrite continuem sendo dispensáveis...

JB Cyrino

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