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terça-feira, 23 de agosto de 2011

Meia palavra

Cultura, linguagem e o problema da religião



“Tudo é questão de interpretação... Tudo é relativo... Tudo depende de ponto-de-vista...” Quantas vezes você já não ouviu isso? Pare pra pensar um pouco. Este blog existe pra isso, certo? Não querendo desprezar aqui sua capacidade de refletir sobre a vida sozinho. Mas qualquer ajuda é válida, sem dúvida.

Vamos lá. 

Ninguém olha para alguma coisa enxergando exatamente o que os outros vêem. Se cada detalhe das óticas pudesse ser medido, se poderiam identificar inúmeras diferenças entre elas. É o tal do perspectivismo, de Nietzsche*. E é isso que torna a convivência complicada. O ser humano é um ser social, sim. Depende do outro para poder ser alguém, ter alguma coisa, fazer algo. A comunicação é evidentemente o ponto-chave da educação, da formação cultural, embora ao mesmo tempo em que a linguagem seja o principal recurso do homem, é também o que o limita.

O limita porque quase nunca expressa em plenitude o que deveria. Interpretações mal-embasadas, politicagens, mentiras, tendências subjetivas, associações equivocadas... São muitas as falhas da língua, que não permitem o entendimento profundo das essências. Isso, partindo do princípio de que as coisas têm como uma de suas propriedades a objetividade, claro.

Por mais banal e chinfrim que pareça esse papo, tenha a certeza de que se a linguagem não fosse tão redutiva de seus significados, muita coisa seria diferente. Muita coisa não, tudo! As religiões não seriam as mesmas, as ciências não seriam as mesmas, a política tampouco. A vida seria absurdamente outra, assim como hábitos, costumes e a cultura, enfim.


Ruth Benedict, antropóloga americana, escreveu** que a cultura é como uma lente através da qual o homem vê o mundo. Mas é claro! Ou vai dizer que a vaca argentina tem a mesma importância que a indiana? A argentina enche famílias ricas de proteínas; a indiana enche famílias hindus de santidade.

E nesse meio todo, é absolutamente necessário relevar a alteridade, o “enxergar o outro pelo outro”, como disse um tio meu uma vez. Já que temos o péssimo hábito (que, por coincidência ou não, também é fruto de uma ideia de sociedade e de vida pré-estabelecida) de julgar outras culturas pela nossa, como se nosso jeito de viver fosse de fato uma referência. Enfim, não é. Aliás, nenhuma é. Por que seria? Algum valor soberano? Moral perfeita? Ética fundamentada em uma suposta superioridade legitimada pelo senso comum? Acho que não. Isso nem deve existir.

Com certeza, toda ideia que contraria o respeito à vida não deve ser levada em consideração. Mas é realmente interessante como algumas pessoas se vestem dos estereótipos “bonitinho”, “bonzinho” e “santinho”, enquanto julgam condutas de outras civilizações, vertentes de pensamento e orientações sexuais como condenáveis ao sofrimento eterno por punição do divino. Tudo bem, há explicação para toda essa bagaça, que são as verdades determinadas em função de um conceito que só deu certo por ter a si próprio como argumento de sustentação. Não preciso dizer o que é e não estou dizendo que é errado ou falso, antes de qualquer coisa. Você sabe bem do que se trata, se for bom entendedor. 


* A figura de Nietzsche, no contexto do post, é bem contraditória. O pensador alemão desenvolveu o perspectivismo (argumento usado pelo blogueiro para compreensão das diferentes culturas), mas ao mesmo tempo era racista, acreditando haver raça superior.
** O Crisântemo e a Espada, 1946

Marvin Bessa

Um comentário:

  1. muito bom o texto.. melhor ainda quando você se identifica com o pensamento do autor. Concordo com o que foi dito.
    Cada um tem uma maneira de enxergar as coisas, justamente pq que cada um viveu uma vida, uma historia, um contexto. E o mundo seria realmente melhor se as pessoas compreendessem isso. O respeito é primordial para uma boa convivência. No sentido de menos conflitos. Mas, ao mesmo tempo, seria sem graça se todos aceitassem tudo, sem critica, sem polemica. São as diferenças, e a analise a essas diferenças, que fazer surgir novas personalidades, ideais, questionamentos, argumentações. E eu pelo menos, sou fã da filosofia, da reflexão, da analise. Acho sadio, tão quanto o respeito.

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